30/10/09


«well you dream of blondes and you dream of beer / and life gets terribly stale
it's dead in the morgue but it's deader in here / there's no night out in the jail




[there's no night out in the jail, nick cave / fotograma de down by law, jim jarmusch]

27/10/09

em sobressalto vejo no escuro a minha insónia interrompida. chupa-la picha!, gritava aquilo que eu diria ser um homem (a julgar pelo timbre), palopiano (a julgar pelo sotaque), alcoolizado (a julgar pelo arrastar da palatização que comeu o agá). no relógio, quatro horas, marcadas num vermelho desfocado pelas remelas. horas que marcam o fecho do estabelecimento que dá guarida às nobres almas em busca de amor pago, sito a poucos metros da janela do quarto onde repouso os restos mortais, encarpados à retaguarda de mais um dia assim, assim. não é fácil, o aluguer do corpo nos subúrbios de lisboa. chupa-la picha!, insiste ele, carregando agora no i. adivinho um amigo junto ao artista, a julgar pelos risos miudinhos, que disfarçam a falta de paciência que o amigo menos bêbedo tenta esconder nestas ocasiões. um pouco mais longe, no que deduzo ser a porta do referido estabelecimento, as conversas cruzam-se, sem prioridade definida, tornando imperceptível o seu conteúdo, mas todas elas ignorando o pedido altruísta cujo eco parece prolongar-se para diligentemente perscrutar as vontades de todos os ouvintes, um(a) de cada vez. este homem que grita não pede para si. a bondade de um homem vê-se nestes momentos. e esta moleza de coração não me deixa indiferente. indiferente ao frio, arrasto-me à varanda para tomar conta da ocorrência a olhos bem vistos. acendo um contemplativo cigarro e partilho o fumo com o poste da luz. chego tarde à cena da noite. o nosso artista afasta-se, resignado, braço dado com o amigo que lhe ampara a queda e a ressaca. à porta do bar, as quatro putas partilham um táxi, como todas as santas noites. o dono do bar (a julgar pela brilhantina) e o porteiro (a julgar pelo cabedal que lhe vestia os ossos) rumam ao bmw branco do primeiro (a julgar pelo bmw), com aquela cara de poucos amigos que têm as pessoas que têm poucos amigos. dois polícias distraem-se mutuamente com uma anedota futebolística na direcção da esquadra, dez metros ao lado. os meus restos, ligeiramente mais mortos, voltam para dentro. com o fechar da persiana calo o grito clemencioso que me acompanharia nos sonhos se eu os escolhesse. se o pedido foi atendido? adormecerá connosco para sempre a dúvida. do taxista jamais teremos notícias, mas a julgar pela pouca felicidade com que mais uma noite de despediu dos subúrbios de lisboa, ela pelos vistos não chupou.

lições do tédio #1

na tua interioridade julgas-te original e criativo. mas és apenas sozinho.

26/10/09

não dou erros ortográficos. o meu problema são os açentos.

o padre insone

farto de não dormir, foi pregar olho para outra freguesia.


macaco na prisão
: um blogue sem o design da menina limão.

22/10/09

exegese *

«amai-vos uns aos outros» foi a forma que ele arranjou para dizer: vão-se foder.



a sério, não é nada de especial. toda a gente faz anos.

21/10/09




dão-me os parabéns como se eu tivesse algum mérito na aleatoriedade do universo. como se fizesse sentido medir o tempo e celebrar quando o número de movimentos de translação que presenciamos atinge um número inteiro. o sol seguirá ali no meio, quietinho, imperturbável com a nossa coexistência. faz ele bem. e nós às voltas, a tentar não cair depois de tontos. e ainda brindamos, como se fosse preciso uma desculpa para beber. vejo-me à porta do clube dos 27, onde não faço grande questão de entrar mas já cumpri metade dos requisitos. não tenho especial amor pela vida, mas a morte deve ser ainda mais aborrecida. e vamos ficando por aqui e agora, respirando neste constante (des)equilíbrio entre passado e futuro. porque o passado é uma história sem futuro. e o futuro? o futuro é uma história muito mal contada. e voltamos a brindar, como fosse preciso uma desculpa para beber mais.

[good good day, nick cave & the bad seeds. / fotograma de down by law, jim jarmusch.]

20/10/09

errata: onde se lê errata deverá ler-se é rata.

19/10/09


a dialéctica de (re)escrever um blogue basicamente resume-se nisto

good old days vs same old shit

ânimo levezinho

começo este blogue com as mesmas expectativas que tinha para o casamento da minha irmã: não lhe dou duas semanas.

hipótese nula

confesso: a minha religião é zeroteísta.

uma coisa perigosa

n'os condenados de shawshank, a personagem do morgan freeman avisa-nos que a esperança é uma coisa perigosa. mais do que a esperança, perigoso é o optimismo. a esperança implica o passar do tempo, e o tempo cura tudo. se não cura, pelo menos mata. menos mal. não podemos tirar a espera da esperança, e esperamos que corra tudo bem. pelo menos esperamos, menos mal. já o optimismo é mais imediato. o optimismo está a meio passo da fé, a mais perigosa das irracionalidades. um optimista, mais do que confiar, acredita. crê que é capaz, sem se dar conta da desambiguação semântica que o crer encerra. crê como quem palpita. crer não é crer. crer é querer acreditar. todos querem ser optimistas porque o optimismo ilude (e isso é útil, não nos iludamos). os governantes dizem-se optimistas, os treinadores de futebol estão sempre optimistas, os mercados querem estar optimistas. todos têm um produto a vender, e a fé do optimismo vende melhor que nada. os consumidores, cegos, querem ter um olho para ser os reis do optimismo. a esperança é mais inócua. eu espero, tu esperas, nós - desesperados - esperamos. e o tempo passa. não é mau. espero, sento-me, e faço um manguito ao optimismo.
o optimismo é uma coisa perigosa. que o digam os gajos da armada invencível.

01/10/09




já são dez para as seis da manhã
e há mais um imbecil a pensar
este mundo não foi feito para a gente entender

nem por isso eu deixo de o tentar


venho libertar o macaco
que ele anda um pouco farto da repressão

enlouquece aos pulos na jaula

quase já nem fala

tirem o macaco da prisão


todo o vento é vento a favor
não entendas já

quando soprar dir-te-á

a favor do quê

prometo-te a mudança e só a mudança

meu amor, não entendas mal

a mudança é

nunca vai mudar

vais mudar o quê?


o melhor que o mundo leu
o melhor que ele escreveu

o melhor dos melhores

a pior das mulheres

o motivo que referes

é um passatempo vivo


cem mulheres e eu na cama é febre

um amor que não engana é febre


venho libertar o macaco
que ele anda um pouco farto da repressão

enlouquece aos pulos na jaula

quase já nem fala

tirem o macaco da prisão


tirem o macaco da prisão.


[tirem o macaco da prisão, manel cruz. / fotograma de down by law, jim jarmusch.]


doing time